Apresentamos os resultados preliminares do estudo das indústrias líticas de duas seqüências arqueológicas da região da Serra da Capivara (Piauí). Essa área testemunha de ocupação intensa pelos grupos humanos préhistóricos, e de uma continuidade dessas ocupações pré-históricas, desde o Pleistoceno até o Holoceno recente. Entre os vestígios encontrados, as indústrias líticas constituem uma das categorias de materiais mais representados. Enquanto artefatos produzidos pelo homem, esses vestígios constituem os melhores interlocutores para a reconstituição da cultura material das populações pré-históricas. Esses vestígios podem então ser utilizados para reconstituir as características tecno-culturais dos grupos humanos. Apesar da riqueza desses vestígios, os estudos das indústrias líticas dos sítios do Parque Nacional Serra da Capivara foram limitados até agora ao conhecimento de somente alguns sítios. Esse projeto de pesquisa nasce então dessa necessidade de acrescentar e aprofundar nas culturas técnicas das populações que habitaram a região. O objetivo principal é de mostrar as grandes características técnicas dos grupos humanos que se sucederam na área e de entender, observando as mudanças e evoluções no decorrer do tempo, as dinâmicas de povoamento da região. Dois sítios foram estudados: Toca do Baixão da Ana Maria, datado a 3906±50 cal AP, e a Toca da Ema do sítio do Brás I, que tem uma série de datações que atribuem o sítio ao período da transição Pleistoceno-Holoceno e Holoceno antigo. Os dois são localizados ao longo da cuesta arenítica na área meridional da Serra da Capivara. A metodologia adotada para analisar as indústrias é a tecnologia lítica, que permite definir os conhecimentos e as habilidades atestadas nas atividades dos grupos humanos. Do outro lado, o conjunto dos instrumentos retocados foi estudado por meio de uma abordagem tecno-funcional. Esta perspectiva tem como objetivo definir a estrutura dos instrumentos de pedra lascada integrando os esquemas de produção, suas propriedades técnicas e volumétricas, e seus potenciais funcionais. Os resultados do estudo mostram para cada conjunto as principais tendências do instrumentário. O conjunto instrumental da Toca do Baixão da Ana Maria caracterizado por uma produção de instrumentos sobre seixos e suportes naturais. Trata-se na maioria de volumes maciços, de grande tamanho e de forte espessura com partes transformativas diversificadas entre as quais os gumes retilíneos, denticulados e convergentes são predominantes. No sítio da Toca da Ema do sítio do Brás I, o instrumentário é dominado por suportes mais compridos que largos, com uma parte transformativa em uma das extremidades. Mesmo se os instrumentos típicos do período da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno antigo no centro e no nordeste do Brasil (as peças façonnadas unifacialmente a uma face plana) são ausentes, a presença deles é testemunhada por lascas de reavivagem e de façonnage. Esses dados são integrados na perspectiva da variabilidade crono-cultural das indústrias líticas dos sítios já estudados, permitindo salientar as tendências técnicas regionais e as variações técnicas na diacronia, e completam e acrescentam as informações relativas às grandes linhas das principais etapas da pré-história da Serra da Capivara.